Você se lembra onde estava em 8 de julho de 2014, quando o Brasil entrou em campo no Mineirão, para enfrentar a Alemanha pela semifinal da Copa do Mundo? Dez anos se passaram desde aquele dia que culminou no maior vexame da seleção brasileira em mundiais.
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No estádio, quase 60 mil pessoas acompanharam a partida. Alguns choraram, outros sorriram, muitos ficaram em choque. Outros não sabem, até hoje, descrever o que sentiram quando o árbitro Marco Rodríguez apitou pela última vez.
– Melancolia – resumiu João Henrique, torcedor brasileiro que tinha nove anos, em 2014.
– Mistura de sentimentos ao comemorar – Daniel Schmitt, torcedor alemão
Não eram apenas torcedores naquele momento. Os jogadores foram os personagens principais. A seleção brasileira entrou em campo com Julio César; Maicon, David Luiz, Dante e Marcelo; Luiz Gustavo, Fernandinho, Bernard e Oscar; Hulk e Fred. O time era comandado por Luiz Felipe Scolari.
– Aquele jogo contra a Alemanha é uma coisa que até hoje, se você perguntar aos 23 jogadores que estavam ali, eles não vão conseguir te explicar o que aconteceu. Se você colocar o mesmo jogo e os mesmos jogadores, eu apostaria o que quisesse que esse resultado não se repetiria. Mas é futebol. Infelizmente fica marcado – disse Hulk em entrevista ao ge em janeiro de 2023.
Quando o cronômetro bateu 30 minutos do primeiro tempo, a Alemanha vencia por 5 a 0. Um apagão histórico da Seleção. Para o brasileiro, o choque apagou qualquer vestígio de esperança. O placar mudava em questão de minutos.
– Antes do jogo, como eu era criança, eu tinha esperança de alguma coisa, mesmo sem o Neymar. Quando sai o primeiro gol, a torcida cantou muito. Isso mesmo antes do jogo. Teve o momento do hino que foi muito emocionante. O clima estava muito bom e estávamos acreditando mesmo que dava para ganhar.
“Quando saiu o primeiro gol, a gente assustou, mas não foi o primeiro gol que fez a gente desistir e achar que iria perder. Agora, quando saiu o segundo, o terceiro… no terceiro a torcida começou a perceber o quão fundo era o buraco que estávamos nos metendo.”
Para os alemães, uma alegria jamais sentida. O que antes da partida era apreensão, pois a Alemanha nunca tinha superado o Brasil em Copas, naquele momento se tornou surpresa, choque e uma felicidade incontrolável. Assim foi para Daniel Schmitt, que estava em terras brasileiras pela primeira vez.
– Quando tocaram o hino nacional das duas equipes, ficamos chocados quando os torcedores estavam vaiando tão alto contra nós, que não conseguíamos ouvir o nosso próprio hino nacional. Nunca tínhamos passado por isso.
“Quando a Alemanha fez o segundo gol, o terceiro e o seguinte, foi inacreditável, pois ainda estávamos comemorando o primeiro gol, enquanto o seguinte já estava marcado. Lembro-me de ver os torcedores brasileiros desesperados e chorando e, sim, também sentimos pena deles.”
– Tivemos uma mistura de sentimentos ao comemorar, ao chegar à final da Copa do Mundo depois de muito tempo e ver a torcida brasileira, o time e toda a nação em crise.
Ir a uma Copa do Mundo é o sonho de muitas pessoas. De torcedores a profissionais, é um momento mágico que poucos podem alcançar. Um Mundial no quintal de casa é um sonho ainda maior e um grande apaixonado por futebol faria qualquer loucura para conseguir acompanhar, mesmo que não fosse para assistir a partida, mas para sentir o clima. Ellen Mariana, que trabalha em um dos bares do estádio, não imaginava que o sonho, a fantasia e a euforia virariam pesadelo.
– O pessoal vendo e a gente só na agonia dentro do bar. Começou o jogo, começaram os gols, e a gente falou: “não dá”! Aí foram três, quatro. Entramos em pânico! No segundo tempo, antes de o jogo acabar, nossos produtos acabaram, e a gente foi para arquibancada.
“Foram meus piores momentos no futebol até hoje. As derrotas do Cruzeiro são tristes, mas aquela derrota foi muito.. foram muitos gols. Foi muito triste! Só chorava.”
Douglas Magno estava diante do seu primeiro mundial como fotógrafo. A missão era registrar a torcida brasileira até o final. Contar histórias para a posteridade. Ele só não imaginava que a foto da Copa seria de tristeza profunda.
– Acompanhei a trajetória do Brasil desde a Granja Comary. O objetivo era mesmo contar a história do hexa. Quando chegou o 7 a 1, eu fiz muitas fotos de torcida, só que a torcida espantada e chorando. Me surpreendi muito.
“Chegou uma parte do jogo que o foco nem era mais o jogo. Era a torcida. Virou um espanto. Tinha fotógrafo de costas para o jogo, só na torcida. De tanto que foi surpreendente. Uma foto que me marcou foi um jovem abraçado com o senhor mais velho, acredito que sejam pai e filho, chorando. Me marcou o sonho de ver uma Copa do Mundo que virou pesadelo.”
Aos 35 minutos do segundo tempo, André Schürrle fechou o placar da Alemanha. Nos instantes finais, Oscar fez o gol de honra. Nessa altura, o torcedor João Henrique tentava encontrar algo de positivo em estar em uma semifinal de Copa em que o Brasil foi goleado.
‘”Ele falava com a gente para aproveitar o momento para ver os grandes craques da Alemanha jogarem. Acho que foi mesmo o que aconteceu, a torcida brasileira foi para o estádio para assistir a seleção alemã jogar” – destacou João.
Há quem ainda tente explicar o que aconteceu. Apesar de nenhum jogador ou comissão dizer qual foi o problema que levou a seleção a sofrer sete gols, o jornalista alemão Christian Falk, chefe de redação de futebol do jornal BILD, revela detalhes do que a seleção alemã sabia (ou dizia saber).
– Neymar, talvez o melhor jogador dos brasileiros, se machucou. A Alemanha, por outro lado, teve o seu melhor time à disposição. Sabíamos também que o Brasil não estava tão bem quanto tentavam transmitir.
“Löw (treinador da Alemanha) também sabia disso.”
– Tínhamos ouvido falar de seu discurso para a equipe. Antes do jogo, Löw, que normalmente parecia tão sensato, literalmente destruiu verbalmente os brasileiros com seus profissionais. Na seleção muitas coisas são apenas fachadas, disse ele aos seus jogadores. Löw desmascarou as ações dos brasileiros como um puro espetáculo: os sambistas correndo com a mão no ombro do homem da frente, suas constantes orações ao céu, a constante convocação do espírito de equipe para a missão do título em seu próprio país – tudo isso disso foi apenas uma atuação.
Felipão também gerou incômodo nos adversários.
“Löw também considerou desrespeitosa a declaração de seu colega técnico Luiz Felipe Scolari de que a Seleção marcharia até a final. O treinador nacional informou a sua equipe: estas palavras foram um desrespeito para com a tricampeã mundial Alemanha! Ninguém que tenha verdadeira autoconfiança fala assim, é apenas uma declaração populista, explicou Löw aos seus jogadores”.
No fim, para quem estava no estádio trabalhando, com a missão de registrar, escrever, servir o torcedor foi o centro de tudo. Kelen Cristina, jornalista do Estado de Minas, relata o contraste entre as torcidas e o quão impressionante foi.
– O estádio não estava tomado por alemães. Claro que tinham mais brasileiros. Tinha uma boa parte alemã e torcedores de outros países que se juntaram aos alemães.
“E eu lembro dos alemães cantando: Vamos a la playa.”
– Fiquei olhando e vendo a alegria deles cantando ‘vamos a la playa’ porque a final era no Rio e no contraste aquele tanto de gente chorando. Criança chorando, é surreal imaginar ter presenciado isso.
A Copa do Mundo do Brasil era a chance de retomar a identificação da torcida com a Seleção. O sofrimento visto no rosto dos torcedores mostrou para Kelen que ainda havia uma relação e que ali sofreu mais um baque.
– O tanto de gente que eu vi chorando… Olhei e fiquei pensando: a gente achava que as pessoas tinham perdido uma conexão com a seleção brasileira. A gente não entendia o que era aquele choro. Era uma decepção com Seleção em si? Porque há muito tempo que a gente não tem uma idealização de seleção brasileira mais.
“A relação de torcedor com a seleção brasileira mudou muito ao longo dos tempos. Há uma série de motivos que levou a isso, incluindo a falta de identificação com jogadores que atuam foram do país.”
O placar foi histórico. E hoje é lembrado em tom de brincadeira, algo que encanta os alemães e causa um choque de realidade sobre a seleção brasileira para os torcedores.
“Sinceramente, acho que essa partida é muito mais importante para os brasileiros do que para os alemães. É claro que foi um jogo histórico e, quando se fala com um brasileiro sobre futebol, o assunto é sempre o mesmo, mas geralmente os brasileiros mencionam o jogo e querem falar sobre ele. Isso mostra a cultura brasileira e como as pessoas lidam com derrotas como na vida real, não levando tudo muito a sério, mas tirando sarro disso”, destacou o torcedor alemão, Daniel Schmitt.
“Na época, o sentimento foi de tristeza, fiquei muito chateado, me abalou. Mas hoje em dia eu olho com os olhos de ser o marco do início de uma fase não tão boa da Seleção. Hoje em dia eu não olho mais com essa tristeza, mas com certeza a vergonha e o vexame que o Brasil passou, não foi apagado. Eu olho para trás e enxergo que é um jogo marcante na história do futebol “, finalizou João Henrique, torcedor brasileiro.
Fonte:GLOBOESPORTE.COM / DANNY PAIVA